sábado, 1 de agosto de 2009

Lascívia recatada




Quem anda pela Oranienburger Straße no fim do dia não deixa de reparar no traje de algumas mulheres, que destoa dos longos casacos, calças de lã e gorros – muitos de marca e/ou extremamente modernos - que vestem o inverno de Berlim. Um salto muito alto ou bota de PVC, um short bem curto por cima da meia-calça e uma jaqueta com corpete por cima, deixando os seios em maliciosa evidência.

Há tempos gostaria de escrever um post sobre a moda das prostitutas de Berlim. Sim, porque me chamou a atenção repentinamente, em um frio perfurante, enquanto deixava um amigo de volta ao hotel no Mitte, cena fashion de Berlim. Pensei na hora se o uso do corpete por cima da roupa, no inverno, seria algo específico daquela região ou se já fora integrada em outras. Mas, me veio à tona o fato de que, desde tempos remotos, as prostitutas já usavam corpetes por cima de vestidos.

A coluna do Joaquim Ferreira, no jornal O GLOBO desta última segunda-feira, ressaltou a volta dos corpetes, uma tendência que já vem ganhando adeptas há um tempo, além das páginas de editoriais de moda no mundo todo. Mas qual seria o real significado do corpete para estas mulheres do Mitte?

Se voltarmos ao período Rococó, veremos que os corpetes – o termo corset não apareceu antes do início do século XIX – foram utilizados para compor a silhueta dos longos vestidos da época e tornar os seios visíveis. Em 1820, a cintura fina reaparece, mas a pressão excessiva sobre o corpo feminino diminui. As silhuetas e os vestidos se modificaram do século XVIII para o XIX, e com eles os corpetes. Estes, durante o século XIX, exerciam a função de conferir às mulheres uma forma de perfeição física.Vale lembrar que essa distorção proposital do corpo perdurou até o início do século XX

Nesta época, através das fotografias de Horst e de Siefff, os corpetes apareciam de maneira poética e muito feminina, tornando-se, mais tarde, fonte de inspiração para as peças bordadas de Dolce&Gabbana. Na década de 80, com o contexto do Power Dressing, Jean Paul Gautier e Vivienne Westwood expressavam um novo estilo, com a inversão da peça de lingerie agora por cima da roupa. Gaultier inspirava-se em artistas como Richard Lindnerm e suas mulheres de corpetes. O uso do acessório se inseria, portanto, na cena fashion daquele período, com um juízo de moderno atrelado a eles.

Hoje os corpetes estão de volta, em meio a um cenário que remonta a atmosfera do burlesco, reinventando as pin-ups. Ao mesmo tempo, os corpetes caem muito bem em uma época na qual a ditadura do corpo (com o perdão do clichê) impõe um ideal de perfeição irreal e beleza artificial, como também era imperativo em 1770 com as mulheres da corte.

Paul Poiret foi o primeiro a sugerir uma nova linha fashion, com seu Hellenic Style, sem o uso de corpetes, uma vez que durante muito tempo as mulheres quiseram se libertar das amarras de um acessório apertado e incômodo. Hoje esse sentimento está ironicamente associado ao mesmo desejo, porém de forma inversa, de usar o corpete como melhor lhe convier.

Para as prostitutas do Mitte, contudo, talvez o uso dos corpetes vá além da moda. A edição de janeiro da revista alemã Exberliner revelou que os corpetes não são vistos pelas prostitutas como uniformes, mas sim como um instrumento de trabalho. De acordo com uma delas, os corpetes ajudariam a manter a postura durante o longo tempo que passam nas ruas em pé, ao mesmo tempo em que são quentes, práticos para o inverno, ao contrario do que se imagina.

Mas, como evidenciar o corpo em pleno inverno rigoroso? Acredito que, por trás desta utilidade prática e funcional, o corpete, ao evidenciar os seios e a cintura marcada, explora os atributos do corpo feminino. Através dos corpetes, as prostitutas destoam das mulheres que passam pela rua com seus sobretudos. Ao mesmo tempo, cria-se a ideia de fetiche inerente ao acessório, atraindo a atenção de sua clientela. É importante lembrar que a profissão é regulamentada na Alemanha desde 2002.

Para os homens é possível que haja, por um lado, a criação de uma personagem, poderosa, sensual ao extremo, que desperta desejo. E, por outro, um cenário romântico, onde revela-se o que não deveria estar visível, como uma lingerie, que confere às mulheres uma profusão de feminilidade muito particular.

Há quem diga que relaciona-se ao fato de Berlim ter uma importância indubitável para a construção de tendências e estilos próprios diversos. Serviria mais como uma caricatura das formas femininas, uma vez que afina a cintura e salienta os seios, do que propriamente prostituição. É bem possível que, por debaixo do manteau, muitas mulheres que andam pelas ruas de Berlim estivessem usando corpetes, com uma intenção vanguardista.

O fato é que existem boas lojas em Berlim especializadas em corpetes, com modelos de diversas épocas, cortes diferenciados e preços variados, e uma procura enorme por eles. E, certamente não apenas pelas modernas prostitutas de Berlim.

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